Texto 02 - "O Cisma do Oriente e o Islamismo – santa sabedoria. nascimento de duas religiões que influenciam o mundo que veio depois"

Parte 1 - Esplendor bizantino



Do ponto de vista de Constantinopla, não existe nenhum “Império do Oriente” e, a fortiori, nenhum “Império Bizantino” (nome que lhe é dado pelos conquistadores turcos). Nela o que estava em questão era, simplesmente apenas o Império Romano, o único possível, o mesmo de Augusto, Diocleciano e Constantino, ou seja, a Roma Eterna, transferida para a nova capital fundada por este último. Esta continuidade reivindicada, esta afirmação de permanência, a despeito de todas as transformações, é uma característica decisiva desta. Império que chamamos bizantino e que se pretende tão-somente romano. Isto é sem dúvida, justificado para a época de Leão (457-527) e Justiniano (527-65), pois o Império vive então um período de esplendor, ao mesmo tempo em que o Ocidente conhece um de seus momentos de maior confusão. Sua riqueza é considerável e ele controla toda a bacia oriental do Mediterrâneo: a Grécia, a Anatólia, a Síria, a Palestina e, sobretudo, o rico Egito, que envia para Constantinopla um imposto anual de 80 mil toneladas de grãos. A reconquista de Jerusalém, que recupere temporariamente as costas do Adriático, a Itália e o norte da África, apóia-se sobre esse poderio e manifesta a intenção de manter o Ocidente sob sua tutela e, portanto, de governar o conjunto da cristandade. Mas a epidemia da peste, a partir de 542, dizime o Império e a reconstrução fracassa. Em pouco tempo, sobram apenas alguns fragmentos dele: o exarcado da Bavária, “posto avançado” de Constantinopla no Ocidente, criado em 584 e que cai nas mãos dos lombardos em 751; a laguna de Veneza, onde surgirá uma cidade-refúgio antinatural, mas que goza de vantagens conferidas por sua autonomia ante os poderes ocidentais e por um laço privilegiado com o Império do Oriente; a Sicília, conquistada pelos muçulmanos ao longo do século IX, e a Calábria que os normandos arrancavam de Constantinopla em 107, com a tomada de Bari.

Desde o principio do século VII, os ventos mudam devido ao avanço dos persas, que tomam Damasco e Jerusalém, em 611-14, e, depois, da ofensiva do Islã, que leva à perda da Síria e do Egito. Se acrescentarmos ao norte, a pressão dos eslavos e, logo depois, dos búlgaros, em face dos quais o imperador Nicéforo encontrou a morte em 811, Bizâncio aparece como um Império sitiado, reduzido doravante a uma parte dos Bálcãs e à Anatólia, e cuja população é, agora, essencialmentegrega. É nesse contexto de graves ameaças exteriores que a crise iconoclasta divide longamente o Império (730-843). Para os imperadores iconoclastas, o culto às imagens é causa das infelicidades do Império e o povo dos que foram batizados deve, tal como os hebreus do Antigo Testamento, reencontrar a benevolência de Deus expurgando suas tendências idólatras, mais tarde, depois da vitória definitiva dos partidários das imagens, que a tradição chama de “Triunfo da Ortodoxia” (843), assiste-se a uma recuperação que se prolonga até o início do século IX. É o esplendor macedônio, especialmente sob Basílio I (867-86), Leão VI (886-912) e Basílio II (976-1025). O poder imperial poderoso e estável, chega a recuperar certos territórios, como Creta e Chipre, e, momentaneamente, a Síria e a Palestina, a Bulgária oriental e, depois, a ocidental. A Igreja de Constantinopla que em breve será chamada de ortodoxa, aproveita esse momento para iniciar sua expansão. Após as primeiras missões de Cirilo e Metódio, no século IX, Basílio II obtém, em 989, o conversão do grão-príncipe rus’ Vladimir, célebre pela construção da Basílica de Santa Sofia, em Kiev.

Entretanto, o declínio acentua-se. As estruturas internas, políticas, físicas e militares do Império enfraquecem-se. Apesar de sucessos temporários, em particular sob os primeiros imperadores da dinastia dos Comenos, o território bizantino diminui como uma pele enrugada (constituição do sultanato de Icônio – ou de Rum – que subtrai a metade da Anatólia, em 1080 e aumenta ainda mais após sua vitória de 1176; reconstituição de um Império Búlgaro independente de Bizâncio em 1187). Depois do parêntese dos Estados latinos, encerrado em 1261, o Império não é mais do que a sombra de si mesmo, reduzido ao quarto noroeste da Anatólia, pouco a pouco engolido pelos turcos, e a uma parte da Grécia, progressivamente diminuída pela potência sérvia e, depois, pelo avanço otomano, que contorna Constantinopla e ganha terreno na parte européia do Império. Os apelos de ajuda ao Ocidente permanecem sem efeito e, mais tarde, em 1453, o inevitável acontece: o cerco e a queda de Constantinopla, que se torna Istambul, capital do Império Turco.

No geral, o Império Bizantino conhece duas fases particularmente brilhantes, de meados do século V até meados do século VI, e, depois, de meados do século IX ao início do século XI; mas globalmente suas forças em declínio lhe permitem resistir cada vez menos às múltiplas pressões externas (desde os persas, os árabes e os eslavos, até os búlgaros, os sérvios e os turcos). Apesar de tudo, o orgulho de Constantinopla, sua pretensão de encarnar os valores eternos de Roma e de constituir o Império eleito por Deus, assim Omo seu menosprezo por todos os povos do exterior, aí incluídos os cristãos do Ocidente, assimilados mais ou menos a bárbaros, permanecem intactos por longo tempo (André Ducellier). É verdade que o Império não carece de vantagens e que, durante muito tempo é portador de um poderio respeitável e modelos admirados: basta pensar na arte bizantina, cuja influência é profunda no Ocidente, em particular na Itália, ou na riqueza cultural helênica, de que os humanistas do século XV se apropriam com avidez no momento em que Bizâncio desmoronou. Se, com o passar dos séculos, a distância entre a realidade e o ideal do Império se aprofunda perigosamente, a vontade de preservar este ideal a qualquer custo explica, sem dúvida, essa impressão de lentidão e permanência sugerida pela história de Bizâncio: esta “repousa sobre a idéia de que nada deve mudar” (Robert Fossier). Assim, uma vez passados os grandes debates relativos à Trindade e, depois, às imagens, em Bizâncio, a teologia parece muito mais fortemente dominada por uma exigência de fidelidade aos textos fundadores do que no Ocidente. Lá não se nota nada que se pareça com a vitalidade das discussões escoláticas e da reflexão que permite o aparecimento das escolas e das Universidades ocidentais. Um papel determinante deve ser atribuído à manutenção do princípio imperial como pilar da organização bizantina (apesar de uma corrosão devido às concessões e aos privilégios outorgados, especialmente aos grandes monastérios). Mais importante ainda é do fato de que, ao longo de toda a história bizantina, a Igreja funciona em estreita associação com o poder imperial: o patriarca e o imperador são ali, as duas cabeças de uma entidade unificada pela idéia de Império cristão, conforme o modelo de Constantinopla, que ainda é observado no Ocidente na época carolíngia. A disjunção entre o Império e a Igreja não se produz em Bizâncio, enquanto a Igreja do Ocidente consegue adquirir sua autonomia Igreja do Ocidente consegue adquirir sua autonomia e até mesmo é mesmo se constituir como instituição dominante. Este é sem dúvida um dos fatores decisivos da evolução divergente do Oriente e do Ocidente e uma das molas capitais da dinâmica deste último.

O vasto Império Bizantino teve como elemento unificador a religião cristã ortodoxa (O sufixo “doxo”, em grego significa opinião, ponto de vista, “orto” certo. Uma possível oposição à palavra HETERODOXO, onde”hetero” significa diferente. – NOTA DO PROF. VITOR). Além da unidade de valores e costumes, era ela que legitimava a autoridade do imperador. A Igreja Católica Bizantina assumiu características próprias aos absorver elementos de diversas culturas e religiões orientais que faziam parte do Império. Com o tempo surgiram na Igreja correntes internas que questionavam alguns dogmas (Ponto fundamental e indiscutível de uma crença religiosa. – NOTA DO PROF. VITOR) cristãos, o que era considerado heresia (Divergência em ponto de fé ou de doutrina religiosa. – NOTA DO PROF. VITOR). Uma dessas era a dos monofisistas, para os quais, Cristo possuía apenas a natureza divina espiritual. Outra era a dos iconoclastas, os quais eram contrários às imagens ou ícones e defendiam a sua destruição. Essas correntes chegaram a causar sérios problemas políticos no final do século VIII.

As divergências entre o papa, autoridade máxima da Igreja do Ocidente e o patriarca, autoridade máxima no Oriente agravaram-se a tal ponto que em 1054 ocorreu o rompimento entre as igrejas. Esse episódio, conhecido como o Cisma do Oriente, marcou a divisão da Igreja cristã em Católica Apostólica Romana e Ortodoxa Grega.

O Império Bizantino manteve durante longo tempo rica produção cultural, destacando-se Constantinopla por sua riqueza e perfil cosmopolita (Significa que pertence a todos os países, a todo cosmos. – NOTA DO PROF. VITOR). Em razão das características de sua sociedade, despontavam em Bizâncio uma arte religiosa vinculada à Igreja Ortodoxa, e uma arte leiga, ligada ao luxo e à riqueza da corte do império. Gradativamente a cultura religiosa se sobrepõe à profana, conferindo à produção artística bizantina características tradiconais e conservadoras.

Mesmo tentando estabelecer diferenças entre a cultura religiosa e a leiga, é muito difícil definir características gerais da cultura bizantina, em virtude da diversidade étnica da população. É bem provável que, por causa dessa diversificação, muitos tenham tratado a cultura bizantina como mera compiladora e imitadora das artes dos povos que compunham o império.

Parte 2 – O esplendor islâmico

As origens do Islã podem ser evocadas, aqui, apenas brevemente: a hégira (quando Maomé é obrigado a abandonar Meca, em 622); a unificação da Arábia, praticamente completa quando da morte do Profeta, em 632; a fulgurante conquista, por um exército de cerca de 40 mil homens da Síria e da Palestina, do Império Persa dos sassânidas e do Egito, na época dos três primeiros califas (632-56), e, em seguida, do Paquistão, do Norte da África e, em 711, da Espanha visigótica. Embora a conquista imponha a dominação de um grupo étnico bastante minoritário, ela é, acompanhada de conversão ao islã da maioria dos cristãos da Ásia e da África e dos adeptos do zoroastrismo da Pérsia. Assim, alguns decênios depois da hégira, o Islã constitui um imenso Império comandado por um chefe supremo que concentra os poderes militares, religiosos e políticos. Pela primeira vez na história, as regiões entre o Atlântico e o Indo são integradas em um mesmo conjunto político.

De 661 a 750, os califas omíadas adotam Damasco como capital e estabelecem um Império Islâmico estável. Apoiando-se sobre as elites locais e as práticas administrativas dos Impérios anteriores, Romano e Persa, eles adotam uma política de ruptura proclamada em relação ao passado, impõem o árabe como única língua escrita, cunham sua própria moeda. Em 692, o califa Abd AL-Malik constrói a mesquita do Domo do Rochedo em Jerusalém, em cima do antigo Templo judaico e do Santo Sepulcro, afirmando, assim, a supremacia do islã sobre seus dois rivais monoteístas. A revolta de 750 põe fim à dominação da dinastia omíada, cujos descendentes são massacrados (com exceção de Abd AL-Rahman, que foge para fundar o emirado omíada de Córdoba, em 756). Se esse movimento é inicialmente promovido pelos árabes favoráveis às renovações e às tendências persas presentes no Império, a hegemonia logo passa para as mãos dos persas e a condução do Islã passa para os abássidas, que estabelecem sua capital em Bagdá, fundado em 762 por al-Mansur (754-75). No Iraque, coração da nova dinastia, desenvolve-se uma agricultura competente e altamente produtiva, que aclimata novas culturas de origem subtropical (especialmente arroz, algodão, melão e cana-de-açúcar). O Império Islâmico, dotado então de sua feição definitiva e francamente oriental, conhece o seu apogeu, em particular com Harun AL-Rashid, o califa das Mil e uma noites (786-809).

Posteriormente, a partir de meados do século IX, os fatores de divisão preponderam. As lutas já antigas avivam entre sunitas (que consideram a “Suna”, preceitos posteriores a Maomé, um fundamento da fé, no mesmo nível do Alcorão) e os xiitas (partidários de Ali, genro do Profeta, que rejeitam a Suna)... Chega então , a vez dos turcos, empurrados do Oriente pelo avanço dos mongóis, que se infiltraram, desde o século IX, no Império onde eles adotam o islã e formam, desde cedo, a guarda de todas as cortes muçulmanas... O Império que se forma então se torna uma força ameaçadora, que termina por tomar Constantinopla, atinge o seu apogeu com Soliman, o Magnífico (1520-66), controla longamente os Bálcãs, a Mesopotâmia e o Mediterrâneo oriental, e perdura até o fim da Primeira Guerra Mundial.


Fontes:

Baschet, Jérome. A civilização feudal, do ano mil à colonização da América, trad. Marcelo Rede, São Paulo, Editora Globo, 2006, pp.78-83.

Morais, José Geraldo Vinci de. História, Geral e Brasil, Ensino Médio, volume único.Editora Atual, 2009, 3ª Ed., pp. 133-4.

 

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